Resumo
de
“CONSIDERAÇÕES
SOBRE A EVOLUÇÃO FILOGENÉTICA DO SISTEMA
NERVOSO, O COMPORTAMENTO E A
EMERGÊNCIA DA CONSCIÊNCIA”
(Guilherme
Carvalhal Ribas)
O estudo filogenético do SNC permite a compreensão de sua
morfologia, relacionando o seu desenvolvimento com as interações das estruturas
nervosas e os comportamentos dos seres vivos, e levanta questionamentos sobre
fenômenos como a consciência. Para Sarnat, podemos estudar o SNC - do ponto de
vista anatômico – tanto analisando a sua disposição espacial, através da neuroanatomia;
como o seu desenvolvimento ontogênico (evolução embrionária, fetal e pós-
natal) e, ainda, o seu desenvolvimento filogenético com a evolução das espécies.
O estudo da evolução filogenética do SNC nos possibilita
fazer especulações sobre o aparecimento, desenvolvimento e o imbricamento dessas
estruturas; as características e comportamentos dos seus respectivos elementos
evolutivos. Os processos evolutivos ocorrem sob os denominadores comuns como a
adaptação, a expansão da diversidade e a complexidade.
Os homens têm com outros animais, ancestrais comuns que,
através da evolução, deram origem a diferentes espécies. Os invertebrados mais primitivos
não possuíam córtex algum; hoje, mesmo os animais menos complexos apresentam algum
córtex. Porém, o que mais distingue o cérebro humano, além da nossa neo cortical,
é o tamanho em relação ao corpo e a complexidade. Desde os primeiros seres
vivos multicelulares, há 700 milhões da anos atrás, caracterizados pela
simbiose, passando pelos peixes de esqueletos mineralizados, há 570 milhões de
anos, a principal função do SN foi propiciar a adaptação ao meio. Para isto são
importantes três propriedades: irritabilidade, condutibilidade e
contratilidade. Com o processo evolutivo, esse sistema nervoso foi se tornando
cada vez mais complexo.
A sua importância foi e é primordial para a vida e admite-se
que as redes neuronais há 700 milhões de anos, em seres ainda primitivos. Nos anelídeos
(minhocas, sanguessugas, etc.) o sistema de coordenação, antes difuso, começa a
se agrupar, formando o SN. Nestes, além dos neurônios aferentes, já se
encontram os neurônios eferentes, responsáveis pela resposta motora. Com a
evolução surgem os neurônios de associação viabilizando a interação entre
segmentos. A integração anatômica dos níveis segmentares e dos neurônios de
associação passam a constituir a medula espinal e no seu topo desenvolveram
centros nervosos de controle do corpo. O resultado foi o SNC básico, presente
em peixes de 400 milhões de anos atrás. Agregados neuronais dispostos
centralmente em posições mais superiores do segmento formaram a porção
reticular que, em organismos primitivos, regulava a postura e controlava as
funções orgânicas em conjunção com o hipotálamo. O conglomerado celular hipotalâmico
talvez corresponda a porção filogenética mais antiga do encéfalo.
As forças evolutivas sob o regimento da adaptatibilidade
desencadearam a continuidade do desenvolvimento do SNC em função dos eventos a
que os seres vivos foram sendo submetidos. Entre os adventos mais importantes estão
a incursão primitiva sobre a terra e o desenvolvimento ulterior dos mamíferos.
A vida fora da água impunha aos seres primitivos grandes mudanças na estrutura
corporal - como as olfatórias, as límbicas e as do complexo amigdalóide - e comportamental
as quais imputaram a adaptação do SNC a estas mudanças. Devido ao imbricamento
das estruturas do SNC, a primeira memória que surge é a olfativa, que tem
relação com desde a alimentação até as
relações sexuais.
Os hipocampos e as
estruturas que com eles se desenvolveram com a evolução dos mamíferos, são denominados
de conjunto de formação hipocampal e, do ponto de vista funcional, tornaram se
responsáveis pela aquisição da capacidade de memorização, viabilizando o
aprendizado. Entendemos que a evolução moldou a disposição da estruturas
hipocampais de acordo com o desenvolvimento filogenético. Na porção inferior
temos o hipotálamo, responsável pela vida vegetativa, que imperava em seres
mais primitivos. A complexidade oriunda da evolução requereu o desenvolvimento
de estruturas receptoras e integradoras das eferências, o que constitui os
tálamos. É interessante o fato de que a única via aferente que se projeta
diretamente ao córtex é a que veicula a olfação. Como vimos, a olfação é a
modalidade mais antiga, filogeneticamente falando.
Morfologicamente, em virtude de se economizar espaço, a
evolução tratou de dobrar as estruturas novas que foram sendo incorporadas ao
SNC e também as que foram sendo estabelecidas. Isto explica a forma em “C” de
muitas estruturas telencefálicas. Anatomicamente, o derradeiro desenvolvimento
cortical se deu através de progressivas invaginações e dobraduras na superfície
cerebral , gerando sulcos e fissuras. Isto se deu com o propósito de expandir a
superfície cerebral sem que houvesse um aumento do volume. Os primeiros sulcos
que surgem na superfície cerebral, do ponto de vista filogenético são os sulcos
do hipocampo.
Os antropóides (orangotango, chimpanzé e gorila) possuem uma
disposição sulcal semelhante à humana, sendo as maiores diferenças verificadas
na anatomia dos sulcos frontais que se desenvolvem mais marcadamente por
ocasião da caracterização com o córtex humano. O grande desenvolvimento
evolutivo do SNC dos mamíferos se deu marcadamente “desproporcional” ao tamanho
do corpo nos primatas, fenômeno esse denominado de “encefalização”. Isto se deu
devido à especialização progressiva das estruturas em função das forças adaptativas
da evolução.
Os primeiros primatas surgiram há 50 milhões de anos na África
e, há cerca de 13 milhões de anos a estiagem e seca nas floretas fizeram com
que alguns saíssem para a savana. Os que ficaram nas florestas evoluíram como
os chimpanzés, gorilas e orangotangos. Os que saíram deram origem aos nossos
ancestrais. Progressivamente a evolução fez o seu papel, acarretando na forma
ereta de andarmos, na manipulação complexa e no desenvolvimento da função
visual em detrimento da olfação. O alinhamento das órbitas que se desenvolveu
nos primatas propiciou a visualização de um mesmo campo a partir de dois pontos
ligeiramente diferentes, proporcionando assim a chamada visão tridimensional.
Este fato refletiu num grande desenvolvimento do córtex visual.
Depois dos hominídeos – Lucy, por exemplo – há cerca de 4
milhões de anos atrás, surgiu o gênero homo
há 2 milhões de anos. Os cérebro destes equivaliam aos do chimpanzés modernos
(400cm³) e já fabricavam ferramentas rudimentares. Sua fase durou apenas 500
anos e seu sucessor foi o Homo Eréctus
que controlou o fogo e se espalhou pela terra. Seu cérebro variou de 700 a 1200
cm ³. O homo sapiens (nós) surgiu há aproximadamente
150 mil anos com um cérebro de aproximadamente 1500cm³. Durante o desenvolvimento dos primatas,
passou a ocorrer concomitantemente um crescimento das chamadas áreas pré – frontais,
regiões ditas como responsáveis pelas funções superiores. Entretanto, o maior
advento evolutivo com o evento do SNC do homem foi a aquisição da linguagem,
primordial para a continuidade da evolução, agora também cultural. A posição
ereta foi também essencial para as mudanças oronasofaríngeas, necessárias para
a emissão variada de sons. Á área da fala, não por coincidência situa se no
giro frontal inferior dominante do cérebro humano.
Considerações entre as possíveis correlações
entre a filogênese e a ontogênese
A existência de relação entre a filogênese (evolução
filogenética das espécies) e a ontogênese (evolução embriológica, fetal e pós –
natal) constitui uma questão muito discutida desde a antiguidade. Para Hernest
Haeckel (1834 – 1919) “a ontogenia recapitula a filogenia”. Para ele a ontogenia
é a sinopse condensada da longa e lenta história da filogenia. Já para Karl
Ernest Von Baer (1792 – 1876), as etapas ontogênicas equivalem simplesmente a estágios
precoces a todos os vertebrados. Stephen Jay Gould (1941 – 2002) expressa que
as mudanças evolutivas se expressam na ontogenia do homem e valoriza o
mecanismo evolutivo. Conclui se que a semelhança da conformação apresentada
pelo SNC nas progressivas etapas filogenéticas e embriológico – fetais do ser
humano são particularmente evidentes.
Com base nos conhecimentos evolutivos, McLean (1973) propôs
a teoria do encéfalo 3 em 1, a qual caracteriza de forma sintética a evolução
filogenética do SNC. Temos o 1) encéfalo reptiliano; 2) encéfalo mamífero; e por
último o encéfalo humano com seu 100 bilhões de neurônios.
Sabe se que, apesar de todo o conhecimento existente acerca
da neuroanatomia e da neurofisiologia, a fisiologia do psiquismo persiste ainda
pouco esclarecida. Para Edelman, existem as consciências primária e a superior.
Para este autor a consciência primária é a responsável a estar consciente
apenas dos sentidos. Esta se encontra presente nos animais desprovidos de
linguagem e de capacidades semânticas. Suas vidas se resumem a comportamentos
de adaptação ao meio através da contínua construção de um cenário de
“lembranças do presente”. A consciência humana é a superior, a qual é composta
pelo pensamento no sentido pessoal de considerar o presente, o passado e o
futuro. Entre as estruturas nervosas mais particularmente relacionadas com a
consciência primária destacam-se o sistema reticular ativador ascendente (que
se origina no tronco encefálico), as estruturas límbicas e o hipotálamo, e o
sistema tálamo-cortical, enquanto a consciência superior é acrescida e
fundamentalmente dependente das áreas cerebrais envolvidas com os processos de
linguagem
O advento da teoria da complexidade fez com que a hipótese
de que a consciência tenha surgido ao longo da evolução como um fenômeno de emergência,
viesse a constituir praticamente um consenso entre os estudiosos desse assunto.
Admite se que a consciência resultaria de uma particular complexidade
estrutural atingida pelo arranjo do emaranhado neuronal ao longo da evolução.
Os estudos desses processos abrangem os campos da biologia molecular, da
neurocomputação e as mais recentes contribuições da física. Roger Penrose e Stuart
Hameroff defendem a idéia de que os processos fundamentais que ocorrem ao nível
dos micro túbulos do cito esqueleto neuronal sucedem sob as leis da física
quântica. Siler, tendo como base as semelhanças das conformações circulares das
estruturas cerebrais profundas e de magnetos de certos tipos de reatores nucleares,
sugere a possibilidade de que alguma forma de energia possa emanar paralelamente
e conseqüentemente ao funcionamento da circuitaria neural.
Enfim,
sabe se que é ainda difícil imaginar como o progresso científico virá a
explicar as questões relacionadas à natureza subjetiva das nossas experiências.